Resumo
O Dia das Mães é uma data carregada de significados afetivos, sociais e culturais, que pode gerar intensos impactos psicológicos nas famílias, tanto positivos quanto negativos. Este artigo objetiva analisar os efeitos emocionais associados a essa comemoração, considerando fatores como luto materno, conflitos familiares, idealizações culturais e desigualdades de gênero. Através de uma revisão narrativa da literatura, identificam-se padrões de sofrimento psicológico recorrente nesta data, especialmente em pessoas que vivenciaram perdas maternas, relações parentais conflituosas ou sobrecarga emocional. Conclui-se que o Dia das Mães, embora seja um marco celebrativo, também pode ser um gatilho para sofrimento psíquico, exigindo maior sensibilidade por parte da sociedade e dos profissionais de saúde mental.
Palavras-chave: Dia das Mães, saúde mental, família, luto materno, carga emocional
Introdução
O Dia das Mães é uma celebração amplamente difundida na cultura ocidental e marcada por significados simbólicos de afeto, gratidão e valorização da figura materna. Entretanto, para muitas famílias, essa data pode evocar sentimentos ambíguos, experiências de sofrimento psíquico e reativações de vínculos afetivos dolorosos. O discurso idealizado da maternidade, aliado à pressão cultural por manifestações públicas de amor e reconhecimento, pode amplificar conflitos familiares, sentimentos de inadequação e experiências de luto (Badinter, 1985; Rocha-Coutinho, 2000).
Neste contexto, compreender os impactos psicológicos desta data nas dinâmicas familiares é essencial para ampliar a escuta clínica e propor intervenções preventivas em saúde mental.
Impactos Psicológicos Positivos
Para famílias com vínculos afetivos sólidos, o Dia das Mães pode fortalecer relações interpessoais e proporcionar experiências de gratidão, reconhecimento e pertencimento. Estudos demonstram que datas comemorativas, quando vivenciadas de modo saudável, promovem bem-estar subjetivo e coesão familiar (Baptista & Zanon, 2019). Essas celebrações também funcionam como rituais sociais que reafirmam valores familiares e identitários.
Aspectos Negativos e Fatores de Sofrimento
Contudo, para indivíduos que enfrentaram perdas maternas, experiências traumáticas ou rupturas relacionais, o Dia das Mães pode atuar como um potente gatilho emocional. Segundo Worden (2003), datas significativas são momentos críticos no processo de luto, podendo reativar sentimentos de tristeza, abandono e saudade.
Além disso, famílias marcadas por conflitos intergeracionais ou relações parentais abusivas podem experienciar sentimentos de ambivalência, culpa e vergonha durante as comemorações. Nesses casos, a data expõe a distância entre a imagem idealizada da mãe e a vivência real, muitas vezes permeada por negligência ou violência psicológica (Minuchin, 1982).
Outro fator de impacto diz respeito às mulheres que não desejam ou não podem exercer a maternidade. A idealização social da mulher como mãe contribui para sentimentos de exclusão, invalidação identitária e sofrimento psíquico, especialmente em contextos de infertilidade, adoção tardia ou escolha consciente de não maternar (Diniz, 2016).
A Maternidade como Imposição Cultural
A construção social da maternidade no imaginário brasileiro está fortemente ligada a ideais de sacrifício, abnegação e cuidado incondicional. Essa representação, embora exalte a figura materna, impõe às mulheres uma sobrecarga emocional e simbólica que se intensifica em datas comemorativas como o Dia das Mães (Badinter, 1985).
Segundo Oliveira (2018), muitas mães enfrentam sentimentos de frustração ou esgotamento psíquico diante da expectativa de serem celebradas enquanto lidam, simultaneamente, com exigências familiares, trabalho invisível e falta de apoio emocional. A data pode, portanto, ampliar desigualdades de gênero e tensionar as relações familiares.
Implicações Clínicas e Intervenções Possíveis
Do ponto de vista psicoterapêutico, o Dia das Mães representa uma oportunidade para explorar narrativas familiares, resignificar vínculos afetivos e acolher lutos não elaborados. É fundamental que profissionais de saúde mental estejam atentos aos impactos desta data nos discursos e sintomas dos pacientes, oferecendo espaços de escuta empática e validação emocional (Yalom, 1999).
Intervenções em grupo, oficinas de expressão emocional e práticas de escrita terapêutica podem ser estratégias úteis para trabalhar conteúdos latentes associados à data. Além disso, ações de sensibilização social sobre as múltiplas formas de maternidade e as realidades das famílias diversas podem contribuir para reduzir o sofrimento psíquico coletivo.
Conclusão
O Dia das Mães, embora culturalmente celebrado como uma data de alegria e união, pode desencadear intensos impactos psicológicos em diversas configurações familiares. A romantização da maternidade e a pressão por idealizações sociais favorecem o silenciamento de sofrimentos legítimos. Torna-se necessário, portanto, ampliar o olhar clínico e social sobre essa data, promovendo uma escuta mais inclusiva e respeitosa das diferentes experiências afetivas.
Referências
Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: O mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Baptista, M. N., & Zanon, C. (2019). Bem-estar subjetivo, relações familiares e comemorações culturais. Psicologia em Revista, 25(2), 232-245. https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2019v25n2p232
Diniz, D. (2016). Zika: do sertão nordestino à ameaça global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Minuchin, S. (1982). Famílias e terapia familiar. Porto Alegre: Artmed.
Oliveira, L. P. (2018). A maternidade como lugar de sofrimento psíquico: uma leitura psicossocial. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(2), 307-317. https://doi.org/10.1590/1982-3703000232016
Rocha-Coutinho, M. L. (2000). A construção da maternidade na sociedade contemporânea. Revista Estudos Feministas, 8(1), 185-196. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2000000100012
Worden, J. W. (2003). Terapia do luto: Estudos de casos e intervenções psicológicas. Porto Alegre: Artmed.
Yalom, I. D. (1999). O carrasco do amor: E outras histórias de psicoterapia. São Paulo: Ediouro.