Olha, vou começar já desabafando: Ah... É porque pandemia parece que agora virou verbo; a gente não vive mais... a gente pandemia. Em todos os canais e jornais é só pandemia, em todos os lugares vemos pandemia, as pessoas se olham na esquina e vêem pandemia...
O quanto estamos permitindo que o contexto desta pandemia afete a forma com que vivemos? Estamos realmente vivendo, só que de um jeito um pouco diferente, ou estamos pandemiando? Ora, e há diferença? Creio que sim... Durante alguns meses eu deixei de fazer planos, vivendo “um dia de cada vez”, eu dizia. Mas a verdade é que eu deixei de criar esperanças e passei a catalogar números, ver gráficos, acompanhar fielmente os noticiários. Quantos óbitos por dia? Quantos infectados? E a curva? A escala é linear ou logarítmica? Nunca me questionei se estava vivendo uma pandemia ou pandemiando a minha vida. (Precisamente até esse momento).
Eis que dentre as inúmeras de formas de vida presentes nesse planeta, a única que está pandemiando é a nossa. As árvores continuam florindo, as aves continuam voando... As baratas? Nem aí pro vírus... Bom, resumindo: a vida continua existindo a pesar do novo vírus-novo-velho-mutante-e-novo-de-novo.
Não é que não devamos nos preocupar com esse assunto, até porque somos nós, os humanos, até onde sabemos, a forma de vida mais afetada pelo vírus Sars-CoV-2 (que ganhou logo um nome bem feio, impessoal, e muito científico que é pra ninguém correr o risco de se apegar). É que talvez seja exatamente essa a grande questão: essa existência microscópica colocou em xeque tudo o que a humanidade construiu como “modo de vida” em nossa história recente. Nos acostumamos a exercer o controle sobre nosso ambiente. Para tudo dava-se um jeito... Uma vacina, um protocolo, uma medicação... Nunca foi possível salvar todos (nunca será), mas a verdade é que a situação nunca saiu de controle como saiu desta vez. Então dentro das cabeças humanas as luzes vermelhas e sirenes começaram a soar, e nossos pensamentos começaram a correr descontroladamente de um lado para o outro gritando: “COMO EU VOU VIVER ASSIM?”. Mais ou menos umas 15 sensações e emoções diferentes tomaram conta do corpo dessas pessoas: medo, raiva, frustração, apatia, negação, ansiedade, incerteza... Vai saber quais mais...
E a resposta, que é a mais simples (e obviamente a que a gente nunca quer ouvir): Teremos que aprender. A viver assim. A mudar de hábitos, renunciar ao controle, saber que poderemos perder amigos próximos e familiares, trabalhar de forma diferente, consumir menos, olhar para o lado e reconhecer-se como privilegiado ou desprivilegiado. Pois agora, tudo nos parece muito mais evidente. Outra coisa que está muito evidente é que o nosso equilíbrio enquanto humanidade mostra-se muito delicado, como um pião que gira sobre um apoio muito pequeno e enquanto ele gira se mantém equilibrado, mas basta um leve toque e ele pode parar e girar e cair. A pandemia tocou no nosso pião. E o mundo parece que parou de rodar. Mas ele pode voltar a girar novamente, talvez sobre um apoio diferente, de um jeito novo, com pessoas mais conscientes, com senso de coletividade e acreditando que é possível ainda viver.
Raquel Tavares